Numa rua tranquila, do bairro Menino Deus, iam, à minha frente, duas senhoras, com as suas respectivas peculiaridades.
O que as tornava iguais, era o avental branco de uma e os cabelos, igualmente, brancos da outra.
O que as distinguia era a maneira de vestir.
Uma com a alvura da roupa, outra com vestes de pessoa de mais idade.
Ia eu atrás delas, observando-as e pensando sobre o ser humano.
Ninguém é um oásis.
De repente, a enfermeira-acompanhante, saiu da esquerda da "velhinha", passou na frente dela e deu um passo em direção a um gramado de jardim da calçada.
Pude vê-la apanhando, cuidadosamente, uma flor de ALAMANDA, grande, amarela, penso, ainda se abrindo.
Depositou-a, com carinho, nas mãos da pessoa, à qual, acompanhava.
Vi-a olhando candidamente a flor.
Pensei:
Que imagem essa flor evoca de seu passado!!
Imaginei que lembrasse da juventude, de sua adolescência, dos seus anos de menina-moça. Do namoradinho furtivo de colégio, do primeiro namorado. Dos seus quinze anos. De seu baile de debutantes. Da primeira valsa. De sua escolha para Rainha da Primavera! De que mais? De tantos sonhos atingidos, de tantas passagens dignas de lembrança. Enfim, deixei-a, com os seus pensamentos e retornei aos meus. Mas com aquela imagem, na cabeça, no cérebro, na memória, na retina.
Esqueci-me.
Voltando, pela mesma rua, bem ali, onde as vira, deparei-me, no chão da calçada, ao lado do gramado, ao lado do jardim, ao lado do pé da flor, a própria flor: a ALAMANDA, não tão viçosa. Já, mais amarelecida, murcha, mas tendo, em circulo ao seu redor, muitas florezinhas das chamadas margaridas.
Meu pensar deu um giro de trezentos e sessenta graus. Pensei: que contraste comparando-se à visão anterior.
A senhora olhando, embevecida, encantada para o amarelo, para a flor, acariciando-a, sentindo o seu perfume.
E na volta, como falei, flor sem viço, no chão. Teria trazido à memória, algum episódio que não quisesse ou não pudesse lembrar?
Imaginei –a gente sempre imagina – que lhe tendo voltado à mente, episódios, cenas, acontecimentos tristes, atirara a flor ao chão.
Pensou nas perdas que a vida lhe reservara?
Na morte do marido, de filhos, de afetos?
E, mesmo assim, querendo continuar a ser ela e sua história, rodeou a flor, que significava ela e somente ela, pelas margaridas, fazendo crer que continuava sendo o centro de tudo e que os momentos vividos, os bons e os máus, estavam ali, estampados, refletidos, na cena que restara no chão: a ALAMANDA e na borda da circunferência as margaridinhas a rodeá-la, como o fizeram os pares, naquela noite longínqua de seu baile de debutantes.